FISIOTERAPIA APLICADA AO PACIENTE COMATOSO

Coma é uma síndrome caracterizada pelo Estado de inconsciência em que o paciente não pode ser despertado, sendo incapaz de responder a estímulos externos ou necessidades internas, ainda que os movimentos reflexos e posturais estejam presentes. Em maior ou menor grau há perda da consciência, motricidade voluntária, com preservação das funções vegetativas intactas ou modificadas.

Etiologia

De acordo com a anatomia, a etiologia do coma é devido à disfunção do Sistema Ativador Reticular (SAR) e/ou dos hemisférios cerebrais por lesões estruturais ou metabólicas. A lesão estrutural tem que ser grande para que afete ambos os hemisférios cerebrais e resulte em coma. As lesões estruturais do SAR estão usualmente associadas a sinais neurológicos focais, devido à sua localização anatômica no tronco cerebral adjacente a múltiplos nervos cranianos e a tratos ascendentes e descendentes. Portanto, na ausência de sinais neurológicos focais, o coma é usualmente, o resultado de uma supressão global, metabólica ou tóxica, dos hemisférios cerebrais e/ou do SAR.

Plun e Posner (1980) classificam o estado de coma conforme o sitio lesional para facilitar sua abordagem. Utilizaram para essa classificação a estrutura anatômica que é a tenda do cerebelo, delaminação da dura-máter para dividir o compartimento intracraniano supratentorial (são todas as estruturas que localizam-se acima da tenda do cérebro) e compartimento infratentorial. Há também as lesões encefálicas difusas, multifocais e/ou metabólicas.

As lesões supratentoriais são divididas em lesões destrutivas subcorticais:

* Rinencefálicas.
* Lesões expansivas supratentoriais como por exemplo hemorragias, infartos, tumores, abscessos, trauma craniano.

Já as lesões infratentoriais são divididas em:

* Lesões isquêmicas como hemorragia pontina, infarto do tronco encefálico, enxaqueca vertebrobasilar, desmielização de tronco encefálico, tumores do tronco encefálico, abscessos e granulomas de tronco encefálico.
* Lesões compressivas que são hemorragias cerebelar, infarto, tumor cerebelar, abscesso cerebelar, hemorragia subdural ou extradural de fossa posterior, aneurisma basilar, tumores de fossa posterior extra tronco encefálico.

As lesões encefálicas difusas multifocais ou metabólicas são divididas em:

* Falta de oxigênio, substrato ou cofatores: Hipóxia, isquemia difusa, hipoglicemia, deficiência de cofator;
* Doenças de outros órgãos: órgãos não endócrinos, órgãos endócrinos, outras doenças sistêmicas;
* Intoxicação exógena: drogas sedativas, ácidos ou produtos com metabolização para ácidos drogas psicotrópicas, outros
* Distúrbios hidroeletrolíticos e ácidos básicos;
* Alterações de regulação térmica;
* Infecções e inflamações do sistema nervoso;
* Doenças gliais e neuronais primárias;


Classificação Clínica do Coma:

Segundo a Classificação modificada de Fischer (1969), o coma leve caracteriza-se por sonolência. O paciente segue ordens, responde verbalmente a perguntas e estímulos dolorosos. O Coma moderado caracteriza-se por torpor onde o paciente movimenta-se voluntariamente, produz movimentos faciais e de piscar ou abertura das pálpebras em resposta a dor. O coma profundo produz reflexos motores elementares desencadeados pela dor. O coma Depassé é considerado como irreversível, a dor não produz reação, as funções vegetativas não mantêm espontaneamente.

Para Cardeal e Fukugiva (1999), o coma é classificado em torpor ou esturpor que manifesta-se apenas por depressão da consciência. O paciente, frente a estímulos torna-se alerta temporariamente, abre os olhos, é capaz de dar respostas verbais simples ou motoras.

No coma profundo há completa abolição da consciência, as respostas motoras e estímulos dolorosos estão ausentes ou se presentes são do tipo de descerebração ou descorticação. Há distúrbios autônomos das funções respiratórias, cardio-circulatórias e termorregulação. O coma "Depassé" apresenta funções vegetativas afetadas, havendo a necessidade da manutenção das condições ventilatórias e circulatórias.

O coma é considerado irreversível quando os reflexos de integração do tronco cerebral estão abolidos.

O coma é classificado pela Escala de coma de Glasgow criada por Jennet e Teasdale (1979) que será discutida mais adiante.


Fisiopatologia:

Para Campos e Perpétuo (1982), o SNC necessita para seu metabolismo de glicose e O2 de modo constante, esses dois elementos estando escassos levam a lesões neuronais as vezes irreversíveis. Anóxia de 3 minutos causa distúrbios graves, já 5 minutos de anóxia causam lesões irreversíveis. O cérebro tolera a hipoglicemia por mais tempo que a anóxia, porém o SNC possui um sistema de auto regulação para manter suas trocas metabólicas adequadas, apesar da variação de pressão arterial e oxigenação sanguínea, no entanto esse mecanismo de auto regulação pode ser rompido quando acentuada ocorrem hipotensão arterial , tem por ruptura de um aneurisma intracraniano, tumores cerebrais ou traumatismo. Em associação a esses fenômenos freqüentemente há presença de edema cerebral que acarretará maiores lesões, havendo um aumento do volume do encéfalo produzindo um aumento da pressão intracraniana. Esse edema inicialmente localiza-se próximo as lesões propagando em seguida para lesões mais distante com devido rompimento das barreiras hematoencefálicas.

Com o aumento da pressão intracraniana, a caixa craniana que é formada por estruturas rígidas, a massa encefálica se desloca através dos orifícios existentes produzindo as chamadas hérnias cerebrais. As hérnias são muito importantes na fisiopatologia do coma. Elas podem ser provocadas por lesões supratentorias que são a hérnia do úncus e a hérnia central. Existe ainda a hérnia do giro do cíngulo que tem menores repercussões clínicas.

Na hérnia do úncus há aumento da pressão em um dos hemisférios, especialmente nas regiões temporais. Na borda medial da tenda do cerebelo existe um espaço por onde entra o úncus, comprimindo assim estruturas adjacentes como o tronco cerebral e o terceiro par craniano que poderão levar a alterações vasculares que desencadearão o coma ou o agravarão.

Já na hérnia central o diencéfalo e tronco cerebral se deslocam para baixo passando pela incisura da tenda do cerebelo. Este deslocamento não é acompanhado pelos vasos que nutrem o tronco cerebral o que resultará em um infarto hemorrágico do mesencéfalo e ponte.

As herniações das amígdalas cerebelares através do forame magno produzem compressão do bulbo que poderá resultar em parada respiratória.

Prognóstico:

O prognóstico depende da etiologia do coma, idade do paciente, duração dos sintomas e doenças associadas.

Para Rabello (1991), o coma é indicativo de sério distúrbio, apresentando baixa probabilidade de recuperação, exceto quando diz respeito à intoxicação exógena. Os comas traumáticos e a intoxicação exógena possuem prognósticos diferentes, portanto não serão incluídos na classificação. A idade do paciente tem grande influência no prognóstico do coma traumático, e os comas por intoxicação exógena costumam ter boa recuperação.

Para efeito de prognóstico, os pacientes são classificados em cinco tipos:

* Sem recuperação: Persistência do coma até a morte, correspondendo a 61% dos casos.
* Estado vegetativo persistente: Paciente volta a ter olhos abertos e ciclo vigília-sono, porém sem percepção. Esse estado corresponde a 12% dos casos.
* Inabilitação severa: Tem função cognitiva limitada dependendo dos outros para a sua vida cotidiana, correspondendo a 12% dos casos.
* Inabilitação moderada: Está incapacitado para o trabalho, mas ganha independência para a maioria das atividades cotidianas, o que corresponde a 5% dos casos.
* Boa recuperação: volta à vida normal, incluindo trabalho, corresponde a 10% dos casos.

O prognóstico pode ser influenciado pelos seguintes fatores: causa do coma, duração do coma, nível do coma e sinais clínicos.

A morte encefálica pode ser conceituada como cessação irreversível da função circulatória e respiratória e de todas as funções do encéfalo, incluindo o tronco encefálico.

Jennett (1979) fez uma correlação entre a Escala de Coma de Glasgow juntamente com outras informações de 1000 pacientes seis meses após a lesão, revelando que 48% dos pacientes morreram, 2% permaneceram em estado vegetativo, 10% incapacidade grave, 17% com incapacidade moderada e 23% com boa recuperação. Portanto, 28% dos pacientes sobreviveram com algo inferior a uma boa recuperação, inclui-se nesta estatística aqueles pacientes que tem algum grau de deficiência neurológica e psicológica mais que podem retornar aos seus interesses de lazer ou trabalho.


Avaliação do Nível de Consciência:

A avaliação do nível de consciência faz-se necessário para que os profissionais que trabalham com o paciente comatoso tenham noção momento a momento da piora ou melhora do estado de consciência do paciente.

Para isso foram criadas escalas de avaliação que consistem em analisar o paciente e dar um escore que nos proporciona um parâmetro da avaliação do nível de consciência. No entanto há algumas críticas a essas escalas. Pois, pode haver escores diferentes dados por avaliadores diferentes a um mesmo paciente, além do fato de que o nível de consciência é dado pela soma dos parâmetros, assim, um mesmo escore pode refletir situações clínicas diferentes. (Rabello,1991).

A escala do nível de consciência mais encontrada nos livros é a Escala de Coma de Glasgow, criada por Jennett e Teasdale (1979). Ela não somente avalia o nível de consciência do paciente, bem como permite que os clínicos pontuem a gravidade da lesão, podendo assim desse modo monitorar a recuperação do paciente desde o estado inconsciente até o estado consciente. A alteração no grau de prejuízo da consciência é um bom indicativo da melhora da função cerebral. O grau de duração do coma é um reflexo da gravidade da lesão cerebral difusa. A duração do coma e a amnésia pós traumática são importantes fatores na previsão do resultado geral. Usualmente as lesões focais não causam qualquer deficiência da consciência. (O’Sullivan, 1993).

A Escala de Coma de Glasgow pontua três tipos de respostas: abertura dos olhos, melhores respostas motoras e resposta verbal como mostra escala em anexo

(Jennet e Teasdale, 1979)

Na categoria motora a melhor resposta é considerada. Para os pacientes que não obedecem ordens é aplicado um estímulo doloroso nas unhas ou na região orbitária. Se a mão se movimenta no sentido do estímulo doloroso a resposta é considerada como localizante.

A postura flexora anormal é uma postura de descorticação caracterizada por flexão dos braços e extensão das pernas. É indicativo de lesão entre o córtex e o núcleo rubro. Já a postura extensora anormal dos quatro membros representa descerebração.

O emprego da Escala de Coma de Glasgow é simples, podendo ser administrado várias vezes ao dia. É confiável se anteriormente for feito um treino dos membros da equipe. Dentro da faixa de pontuação do coma entre 3 e 15, não pode-se afirmar se o paciente não está mais em coma. (O’Sullivan,1993).

Jennet e Teasdale (1979) relataram que 90% de todos os pacientes com uma pontuação de 8 ou menos estão em coma, enquanto que todos os pacientes com uma pontuação de 9 ou mais estão fora do coma.

A Escala de Coma de Glasgow demonstra que os pacientes em coma não acordam simplesmente do coma. Pode-se discutir se o paciente está realmente comatoso, semicomatoso ou em estado de turpor ou esturpor. Nenhum destes termos podem descrever claramente o estado neurológico do paciente. A Escala de coma de Glasgow lança mão de uma abordagem mais objetiva para a descrição da transição de um paciente, do coma até a consciência. (O’Sullivan,1993).


Princípios da avaliação do paciente comatoso:

De acordo com Lewis (1996), a avaliação médica do paciente comatoso é de urgência, devendo acompanhar a evolução do paciente. É importante descobrir e tratar qualquer condição que apresente perigo imediato para sua saúde, como por exemplo conter hemorragias, proteger as vias aéreas, manter a circulação sanguínea, fazer ECG para descobrir possíveis arritmias que é um perigo em casos de coma de etiologia desconhecida.

O passo seguinte é colher dados com a pessoa que acompanha o enfermo como por exemplo a polícia, parentes ou até mesmo o motorista da ambulância.

No exame é importante a inspeção da pele, unhas, mucosas (observar palidez, icterícia, sudorese, frio devido a uremia, mixedema, hipopigmentação, hiperpigmentação, petéquias, desidratação, úlceras de decúbito ou sinais de traumatismo).

O hálito deverá ser observado a fim de averiguar a presença de acetona, álcool ou hálito hepático.

No exame de fundo de olho deverão ser observados a presença de edema das pupilas, retinopatia hipertensiva ou diabete, isquemia de retina, granulomas, hemorragias.

A presença de febre pode ser sugestão de infecção. Já a hipotermia pode ser devido a exposição prolongada ao frio. Quando se afere o pulso, e nota-se uma assimetria, pode ser indicativo de aneurisma dissecante.

É importante também na avaliação a inspeção do couro cabeludo a fim de pesquisar possíveis traumatismos. O nariz e ouvidos devem ser examinados para verificar se há presença de sangue.

A resistência a flexão passiva da nuca acusa meningite, hemorragia subaracnóide ou herniação através do tronco occipital, podendo às vezes estar ausentes no estado de coma profundo.

O médico tem condições de identificar o tipo de coma baseando-se nas respostas motoras aos estímulos, na observação da respiração, no aspecto pupilar, movimentos dos globos oculares. Portanto, observa-se tipo respiratório, posição dos membros e movimentos espontâneos. Os abalos mioclônicos ou convulsões podem ser discretos.

O padrão respiratório deve ser observado, podendo ser muito útil para o prognóstico. A respiração de Cheyne Stokes caracteriza-se por períodos de hiperventilação com diminuição progressiva da amplitude até a apnéia, retornando depois a hiperventilação. Esse padrão quando presente indica comprometimento bilateral das estruturas hemisféricas profundas e ou porção superior do tronco cerebral.

A hiperventilação neurogênica central são respirações profundas irregulares e rápidas com fase expiratória profunda, ocorrendo nos comas profundos, correspondendo a lesões pontinas mesensecefálicas.

A respiração apnêustica consiste em espasmos inspiratórios prolongados seguidos de apnéia e correspondem a lesões pontinas do tronco cereberal. Já a respiração atáxica consta de movimentos respiratórios imprevisíveis, indicando comprometimento de centros bulbares.

A depressão respiratória apresenta freqüência e amplitudes reduzidas e ineficientes e são geralmente decorrentes de comprometimento dos centros respiratórios.

A avaliação fisioterapêutica refere-se a coleta de informações necessárias para chegar a uma conclusão sobre o diagnóstico ou prognóstico de um paciente, ou ainda, para tomar decisões sobre a intervenção a ser utilizada.

Na avaliação do paciente comatoso devemos dar ênfase para as deficiências cognitivas e comportamentais, no que se relacionam às funções sensoriomotoras. A abordagem avaliatória deverá ser adequada ao nível de consciência do paciente.

O propósito da avaliação é determinar o estado inicial e atual de recuperação do paciente e auxiliar nas determinações das considerações prognósticas e desenvolver metas de tratamento terapêutico.

Na avaliação motora observa-se se há postura de descorticação, ou seja, flexão e adução dos braços, pronação dos antebraços, flexão dos punhos e dedos, membros inferiores estendidos e flexão plantar, correspondente a lesões hemisféricas profundas, logo acima do tronco cerebral ou postura de descerebração que consiste em extensão dos membros inferiores e superiores e flexão plantar, correspondente a lesões localizadas entre o mesencéfalo e a ponte. Ambas as posturas indicam um prognóstico muito sombrio.

A avaliação do tônus muscular busca identificar a tensão de repouso e a reatividade dos músculos ao alongamento passivo. A espasticidade poderá ser testada com o movimento passivo brusco. Quanto mais rápido o alongamento, mais vigorosa será a resposta do músculo espástico. O alongamento pode acarretar também o clono, caracterizado por contração espasmódica e relaxamento muscular ocorrentes em freqüência regulares.

Na rigidez, a resist6encia fica aumentada para todos os movimentos, fazendo com que as partes do corpo se tornem rígidas e imóveis.

A hipotonia é caracterizada pela queda ou ausência do tônus muscular (postural). A resistência ao movimento passivo está diminuída, os reflexos de estiramento deprimidos e os membros são facilmente deslocados com a frequente hiperextensibilidade das articulações

Os reflexos tendinosos devem também ser verificados, através da percussão direta no tendão muscular, seja com as pontas dos dedos ou com o martelo de reflexos. Reflexos tipicamente testados são mandibular, tricipital, bicipital,braquioradial, patelar,e aquiliano . O uso de posturas padronizadas permite ao terapeuta o isolamento e exame acuradoda integridade radicular.

Os reflexos superficiais são desencadeados por um estímulo irritante, usulamente um ligeiro arranhão. Os reflexos usualmente testados são o plantar (Babinski) e abdominais.

O Estado funcional do paciente deverá ser minunciosamente observado como por exemplo a capacidade de se movimentar na cama e de promover mudanças de decúbito.

A avaliação sensorial deverá ser feita em um ambiente tranqüilo. O procedimento consiste na aplicação de um estímulo e resposta do paciente ao estímulo. No caso do paciente comatoso deve ser analisada a mímica facial ou a retirada do membro frente ao estímulo doloroso. Deverão ser testadas sensações superficiais como pressão, tato leve, temperatura e dor e sensações profundas (proprioceptivas).

Na avaliação da coordenação e equilíbrio, o paciente deverá ser observado anteriormente. Depois da observação, as atividades terapêuticas serão feitas de forma a incrementar os níveis da atividade funcional. Durante a observação inicial, poderão ser obtidas informações gerais que ajudarão na localização de áreas com deficiência específica. Essas informações envolvem: habilidade em cada atividade;ocorrências de movimentos estranhos oscilantes, desequilibrados ou inseguros; número de membros envolvidos; distribuição de danos à coordenação ( musculatura proximal ou distal), tempo de execução da atividade e segurança

Em casos de coma com agitação motora, pode tornar-se evidente à inspeção, ausência ou diminuição de movimentos em um lado do corpo, sugerindo hemiplegia ou paresia. O paciente colocado em decúbito dorsal, com os membros inferiores fletidos e pés apoiados no leito, podem demonstrar déficit motor manifesto pela queda do membro em abdução. Os reflexos superficiais e profundos assimetricamente diminuídos ou abolidos constituem importantes sinais localizadores da lesão.

Principais Alterações sistêmicas do paciente comatoso:

Com a inatividade prolongada o paciente comatoso desenvolverá enrijecimento da musculatura da coluna e membros, fraqueza, osteoporose, assim como descondicionamento cardio-vascular, afetando diversos órgãos e sistemas do corpo.

Sistema músculo esquelético:

Os efeitos adversos do repouso prolongado no leito e inatividade são freqüentemente encontrados no sistema músculo esquelético do paciente comatoso (Ba

* Contraturas articulares: Ocorrem devido à falta de mobilização, por alterações anatômicas nas articulações e músculos devido ao rearranjo ou proliferação de fibras de colágeno levando a rigidez capsular que limita o movimento em todo seu eixo.
* Contraturas de partes moles: Devido a imobilização, há encurtamento e proliferação de fibras de colágeno que limitam o movimento em apenas um eixo.
* Contraturas artrogênicas: Segundo Kottke (1994), a contratura artrogênica pode resultar diretamente de patologia envolvendo partes da própria articulação como cartilagem, sinóvia ou cápsula articular. Há proliferação sinovial e fibrose associados a dor e edema. A cápsula articular pode ficar envolvida com base em alterações inflamatórias ou por encurtamento de fibras de colágeno, secundário ao posicionamento articular inadequado que compromete a amplitude de movimento.
* Contraturas Miogênicas: É o encurtamento do próprio músculo devido a causas intrínsecas e extrínsecas. A substituição de fibras musculares por colágeno e tecido adiposo em adição ao posicionamento cronicamente encurtado resulta na contratura. Depois da hemorragia em um músculo, ocorre deposição de fibrina. As fibras de fibrina rapidamente são substituídas por fibras reticulares, que por sua vez se dispõem em rede de tecido conjuntivo frouxo. Assim, se o músculo for mantido imobilizado, rapidamente progredirá para uma densa rede resistente até mesmo ao alongamento.

Dentre os processos que podem causar encurtamento muscular intrínseco a ossificação heterotópica é o único que envolve deposição do osso devido a alteração local no metabolismo de cálcio decorrente da imobilidade. As contraturas miogênicas extrínsecas são do tipo mais comum vistas tanto em pessoas saudáveis quanto incapacitadas com imobilização prolongada.

Um músculo mantido em posição encurtada por um período de cinco a sete dias demonstrará encurtamento inicial do ventre muscular. Isto se deve ao encurtamento das fibras de colágeno. Múltiplos fatores alteram a taxa de desenvolvimento de contratura, tais como duração e grau da imobilização e restrições articulares preexistentes.
* Fraqueza e atrofia muscular:

Segundo Arnould (1966), a imobilidade afetará diretamente a força e o tamanho muscular em adição a fraqueza percebida em associação ao descondicionamento cardio vascular. Esses efeitos são facilmente reversíveis na maioria dos pacientes, mas naqueles pacientes com doenças neurológicas ou músculo-esqueléticas preexistentes, os resultados podem ser funcionalmente devastadores.

Segundo Eldrige et al (1981), o músculo em repouso perde de 10% a !5% de sua força, ou aproximadamente 3% ao dia. Isso que dizer que se um indivíduo ficar no leito de três a cinco semanas, perderá metade de sua força muscular. Uma redução da contração muscular incompleta pode comprometer a irrigação sanguínea afetando a atividade metabólica e comprometendo a resistência muscular, portanto, os músculos atrofiarão mais rapidamente. .

* Osteoporose:

A manutenção de massa esquelética depende das forças aplicadas no osso pela tração do tendão. Esse tipo de perda óssea é acelerado na presença de uma paralisia neurogênica ou quando há juntamente com a imobilização uma osteoporose de origem hormonal preexistente.

Úlceras de Decúbito:

As úlceras de decúbito são uma complicação secundária de bastante preocupação por parte dos profissionais da saúde que trabalham com pacientes que permanecem por muito tempo acamado. A força excessiva causa deformação do tecido, diminuindo sua irrigação, somado a pele úmida irá predispor a esse tecido a ulceração.

As alterações do tugor cutâneo, postura estática e pressão prolongada sobre proeminências ósseas aumentam a probabilidade de disrupção cutânea, essa é uma perigosa complicação se não for devidamente cuidada, pois é uma via aberta a para infecções.

Os locais mais freqüentemente afetados pelas úlceras de decúbito são o sacro, calcanhares, ísquios, áreas trocantéricas e escapulares.

As úlceras podem ser desde um simples eritema a lesões em massa, envolvendo estruturas articulares que podem levar a osteomielite profunda com amputação subseqüente. Assim, é de grande importância diagnosticar o tamanho da úlcera para trata-la precocemente.


Sistema Cardio Vascular:

* Hipotensão Arterial:

Um dos efeitos mais significativos do repouso prolongado no leito é o comprometimento da capacidade do sistema circulatório de se ajustar à posição ereta.

A hipotensão postural é causada pela permanência prolongada no leito. O sistema circulatório é incapaz de manter uma pressão arterial estável por períodos mais prolongados, e por razões desconhecidas é incapaz de montar uma resposta simpática adequada.

* Diminuição do desempenho cardio vascular:

Durante períodos prolongados de repouso no leito, há progressiva diminuição de volume sanguíneo durante trinta dias (Cardus,1965), com redução máxima no sexto dia, isto se dá devido a redução do volume do sangue

* Trombose venosa profunda:

A imobilização leva a estase e aumento da coagulabilidade sanguínea e traumatismo da parede vascular que leva ao risco de tromboembolismo. Ocorre estase do fluxo sanguíneo nos membros inferiores por diminuição da atividade de bombeamento dos músculos, por cirurgia. Idade, obesidade, trombose venosa profunda, doença maligna e insuficiência cardíaca congestiva. Há um estado hipercoagulável e aumento da viscosidade sanguínea. Tem sido observado uma relação direta entre duração de repouso no leito e incidência de trombose venosa profunda.

É uma complicação potencial para o paciente acamado. Os sintomas mais comuns da TVP são: dor ou hipersensibilidade da panturilha, edema e descoloração da perna. Cerca de 50% dos casos não se apresentam com sintomas clinicamente detectáveis, podendo ser detectados pela flebografia ou por outras técnicas não invasivas.

Para Guyton (1987), a trombose venosa profunda resulta do desenvolvimento de um trombo (coágulo sanguíneo anormal) no interior do vaso. A ocorrência de tal coágulo é uma perigosa complicação clínica. O trombo tem o potencial de soltar-se de suas aderências e de flutuar livremente dentro da corrente sanguínea venosa. Tais coágulos sanguíneos são chamados de êmbolos. É particularmente provável que bloqueiem os vasos pulmonares resultando em embolia pulmonar, que por sua vez poderá levar a morte.


Sistemas metabólicos e endócrino:

As complicações musculoesqueléticas e cardiovasculares estão relacionadas com as alterações sos sistemas endócrino e metabólico

Balanço negativo do nitrogênio: Na inatividade há um aumento na excreção de nitrogênio urinário, levando a hiponatremia, edema e perda de peso. Essa perda de peso corporal é devido a perda de massa corporal. Geralmente começa no quinto ou sexto dia, atingindo o seu clímax na segunda semana, durando durante todo período de imobilização.

Tem-se encontrado tanto redução na síntese de proteína quanto o aumento na quebra de proteína.

* Balanço negativo de outros minerais: A inatividade leva a perda excessiva de sódio, potássio, enxofre, fósforo e magnésio.
* Mudanças endócrinas: Segundo Deitrick (1948), a taxa metabólica basal é diminuída durante todo o período de repouso no leito, que começa no segundo dia, atingindo seu pico em três semanas.

Durante o repouso no leito, foi verificada uma intolerância aos carboidratos. Os testes de tolerância de glicose em sujeitos imobilizados revelaram respostas hiperglicêmicas e hiperinsulinêmicas. Os níveis de insulina eram duas vezes mais altos nesses sujeitos quando comparados com controles com níveis de atividade normais. Há diminuição da efetividade de liberação de insulina pelo pâncreas. O aumento progressivo dos níveis de insulina atinge o pico no final do primeiro mês, começando a declinar, porém, não atinge valores normais enquanto houver inatividade.

Sistema Respiratório:

No paciente imobilizado o volume de ar corrente, volume- minuto e capacidade respiratória máxima estão diminuídos. Há diminuição do movimento diafragmático no decúbito dorsal e diminuição da excursão torácica. Assim, a respiração tende a ser mais superficial. Pelo mesmo fator a diminuição da força muscular e um maior acúmulo de secreções.

A tosse torna-se comprometida pela má função ciliar e fraqueza dos músculos abdominais.

Sistema Gastrointestinal:

Devido a inatividade e imobilidade poderão estar presentes a perda do apetite, atrofia da mucosa e glândula intestinal e taxa mais lenta de absorção.

A constipação é a somatória de múltiplos fatores. A imobilização poderá causar um aumento da estimulação adrenérgica que resulta em diminuição da peristalse seguida de contração do esfíncter.

Sistema Nervoso:

Geralmente o indivíduo em repouso no leito é privado de estímulos sensoriais. Com isso, há alterações muito relevantes na concentração, orientação temporo-espacial, agitação. Ansiedade, intolerância a dor, irritabilidade, hostilidade, insônia e depressão. Além disso, o paciente poderá experimentar sensações de desorientação e alucinações.


Fisioterapia Motora Aplicada ao Paciente Comatoso:

A abordagem fisioterapêutica de um paciente em coma, inclui controle rigoroso sobre os efeitos da inatividade prolongada, pois de outra forma, tais efeitos poderão agravar o estado geral do paciente, comprometendo significativamente sua recuperação. A partir dos conhecimentos destes efeitos, procedimentos preventivos ou de recuperação poderão ser adotados:

* Contraturas:

Para iniciar o tratamento para contraturas é necessário uma análise cuidadosa dos fatores predisponentes e do conhecimento de qual componente articular está realmente envolvido. Antes de tudo necessita-se de um exame neuromuscular dando ênfase a amplitude de movimento ativa e passiva, principalmente a dos músculos que atravessam duas articulações e dos músculos espásticos. Portanto, o melhor tratamento é a prevenção, usando de posicionamento adequado para manter a amplitude de movimento normal.

O alongamento é essencial para a restauração do comprimento quando a contratura já se instalou. No caso de contraturas leves, torna-se necessário um alongamento mantido durante o período de vinte ou trinta minutos, sendo feito por no mínimo duas vezes ao dia. Contraturas mais graves precisam de um tempo superior a trinta minutos, associando ao calor como por exemplo o ultra som para deixar o tecido conjuntivo mais viscoso, e assim melhorar o resultado do alongamento.

Os princípios básicos na prevenção e tratamento de contraturas são posicionamento apropriado, exercícios de amplitude de movimento ativos ou passivos (músculos de duas articulações ) e mobilização precoce. Porém, quando a contratura já está instalada, precisa-se de exercícios passivos de amplitude de movimento com alongamento terminal, alongamento prolongado associado ao calor, splints progressivos, tratamento da espasticidade e liberação cirúrgica.

A escolha do colchão é importante para prevenir contratura em flexão. Desse modo, ele deverá ser firme para não afundar e facilitar a mobilidade.

Os splints dinâmicos ou engessamento seriado são métodos que podem ser usados se o alongamento passivo prolongado não produzir os resultados desejados. Aplicando-se um engessamento seriado ou splint dinâmico, uma manutenção do alongamento pode ser atingida por vários dias. O gesso é aplicado imediatamente após o alongamento passivo. A reaplicação do gesso é geralmente feita a cada quatro ou cinco dias, cada vez seguindo o alongamento e reposicionamento. O engessamento seriado é comumente usado em contraturas graves em flexão plantar e flexão do joelho. Para as articulações menores como das mãos e cotovelos, são indicados splints dinâmicos. As faixas elásticas são usadas para dar a tensão desejada na direção apropriada. Os splints dinâmicos permitem o uso funcional do membro enquanto o alongamento é aplicado.

O Posicionamento também é essencial para o tratamento das contraturas. A prescrição do posicionamento deve identificar as posições a serem usadas, evitadas e a freqüência das mudanças de decúbito. As instruções do posicionamento e a freqüência da mudança de decúbito dependem das necessidades de cada paciente.

As posições são prescritas para superar determinadas forças naturais e patológicas, fornecer uma variedade de posições articulares, manutenção da amplitude articular e para manter o membro em uma posição funcional.

Em decúbito dorsal, os pés do paciente devem ser posicionados com a superfície plantar apoiada na prancha plantar. Os membros inferiores são posicionados em posição neutra com os dedos voltados para cima. Os joelhos e quadris são posicionados em extensão para evitar contraturas em flexão do quadril e joelhos. Os membros superiores devem ser posicionados com cautela e somente dentro da amplitude de movimento indolor e sem resistência, considerando a espasticidade diferenciada de outras formas de resistência a movimentação articular.

O ombro deve ser abduzido a noventa graus, podendo estar rodado internamente ou externamente com o cotovelo fletido também a noventa graus. O antebraço deverá permanecer pronado apoiado em um travesseiro. O ombro poderá ainda estar em abdução com o cotovelo estendido e o antebraço supinado. Com um rolo na mão, o punho pode ser mantido estendido, os dedos parcialmente fletidos e o polegar abduzido em oponêcia, com flexão da articulação interfalangiana.

Uma tala palmar de posicionamento mantém a posição desejada, porém com os dedos estendidos nas articulações interfalangianas e metacarpofalangeanas.

Em decúbito lateral, o membro inferior de cima é colocado em flexão do quadril e joelho. O contato com o membro de baixo é evitado com o uso de travesseiros.

* Úlceras de decúbito:

Dever ser feito o alívio intermitente das pressões, principalmente em pacientes com a mobilidade comprometida. As alterações de posição precisam ser feitas freqüentemente a cada duas horas dia e noite. Os pacientes com múltiplos fatores de risco como o comatoso, precisam ser mudados de decúbito ainda mais freqüentemente.

A pele precisa ser cuidadosamente avaliada a cada vez que a posição é mudada. As áreas que mostram evidência de inflamação necessitam ser completamente aliviadas da compressão. O alívio completo da pressão sobre cada superfície de apoio deve ser feito em intervalos regulares.

* Espasticidade:

Quando presente no pacienteem coma a espasticidade não somente limita a função, como também leva ao desenvolvimento de contraturas. Os meios para estabelecer a conduta são a manipulação geral, e as técnicas específicas de tratamento.

Segundo Tardieu (1988), é muito importante realizar movimentos assistidos ou passivos dos membros, cabeça, pescoço, tronco. Durante o movimento, o paciente deve sair de sua postura preferida.

Adda e Canning (1990), relataram que a rotação é importante para modular os excessos de flexão ou extensão. É preciso direcionar os movimentos do paciente, ao invés de realizar movimentos puramente passivos. Esse movimento não deve ser muito vigoroso para não provocar aumento de tônus nos membros.

Cuidados devem ser tomados ao movimentar membros flácidos ou com tônus misto devido ao risco de alongamento demasiado subseqüente a lesão articular.

A descarga de peso deverá ser feita. A posição ortostática é excelente para manter o comprimento dos tecidos moles. Essa posição é efetiva para alterar o tônus através do sistema vestibular.

Essa posição poderá ser instituída quando o paciente ainda está insconsciente, caso haja estabilidade clínica, fazendo o uso de prancha ortostática. O uso de prancha ortostática também é efetivo para o alongamento do tendão de Aquiles.

O apoio do peso nos membros superiores pode ser aplicado para manter o comprimento e influenciar o tônus muscular. O alinhamento do membro superior deve ser mantido por rotação lateral do ombro.

Em relação ao posicionamento, o decúbito lateral é indicado para romper sinergias clássicas de flexão e extensão, além de aliviar a pressão. Já o decúbito dorsal com travesseiro sob a cabeça incentiva a espasticidade extensora.

As talas também poderão ser usadas como forma de inibição do tônus.

As talas de pressão usadas durante o dia são uma boa opção, já em casos em que o tônus está levemente elevado, o enfaixamento é suficiente.

Para Kelly (!993), as talas corretivas são usadas para aumentar a amplitude de movimento quando há contratura. Podem ser usados o engessamento na forma de goteira ou removíveis.

A estabilidade visando a melhora da função pode ser conseguida através das talas dinâmicas.

Scarhorman (1987), refere que o enfaixamento é uma alternativa a curto prazo, sendo especialmente benéfico para o tornozelo e ombro.

A crioterapia também tem o seu efeito na inibição do tônus, mesmo que temporário, podendo ser usado em associação outros métodos.

* Osteoporose:

A atividade física diária através do suporte de peso do próprio corpo é essencial para a saúde do esqueleto. É o principal fator exógeno que altera o desenvolvimento e o remodelamento ósseo.

Para prevenir a perda óssea durante a imobilização é necessário fazer a descarga de peso o mais precocemente possível, além da mobilização das articulações. Assim que possível as contrações ativas deverão ser estimuladas.

Segundo O’Sullivan (1993), o tratamento consiste basicamente no controle dietético e atividades precoce de mobilização.

* Edema de membros inferiores:

Para Fernandez (2001), declive do membro representa um meio simples de reduzir a pressão venolinfática, favorecendo assim a reabsorção e o transporte do edema

A massagem também é eficaz no edema de membros inferiores. As manobras de deslizamento rápidas ou profundas, de compressão, de percussão, de fricção, são prescritas em razão de seu efeito histamínico hiperemiante, que causa um aumento da permeabilidade capilar e da carga líquida a ser drenada.

Para drenagem de edema utiliza-se do deslizamento centrípeto para auxiliar o retorno venoso e também mata borrão. Nos dois casos o intuito é a reabsorção de edema e seu transporte pelo sistema venoso e ou sistema linfático. Portanto, as manobras são realizadas lentamente e com muitas repetições. São contra-indicações: flebites, trombose venosa profunda em sua fase aguda, micose e câncer evolutivo.

A pressoterapia é utilizada para drenagem de edema e prevenção de trombose venosa profunda através de um aparelho que possui alvéolos infláveis. São contra-indicações: hipertensão arterial sistêmica, aneurisma, fragilidade aórtica, edema sistêmico, arteriopatia periférica grave, eczema e urticária.

A contenção–compressão trabalha principalmente com as veias comprimindo-as, diminuindo o seu calibre e portanto, o seu esvaziamento é acelerado. Assim, reduz a estase venosa, abaixando a pressão venosa e aumentando a atividade fibrinolítica.

Esses efeitos são obtidos durante o repouso, pela utilização de uma contenção elástica, cuja pressão, é adaptada a pressão do setor que irá ser comprimido, dependendo do tipo morfológico do paciente, de sua posição, da localização, de sua patologia, do tipo de patologia e do seu estado clínico.

A contenção associada ao exercício físico faz variar as pressões teciduais o que provoca um efeito descongestionante, otimizando também o funcionamento da microbomba linfática e melhora da contratilidade dos linfângios.