AUSCULTA PULMONAR

1. Introdução

Conceito:

Ausculta é o método semiológico básico no exame físico dos pulmões. É funcional por excelência, diferentemente da percussão, puramente estática, e permite analisar o funcionamento pulmonar. Para sua realização exige-se o máximo de silêncio, além de posição cômoda do paciente e do médico.

Breve Histórico:

Hipócrates escutava os ruídos pulmonares através do ouvido colocado sobre o tórax do paciente. Entretanto, pode-se dizer que a ausculta pulmonar foi realmente introduzida por Laennec há quase 200 anos, o inventor do estetoscópio. Laennec trabalhava em um grande sanatório na França, com cerca de 400 leitos, e não encontrou nenhuma referência de ruídos pulmonares ao rever os prontuários em 1816. A idéia do estetoscópio nasceu ao ver duas crianças brincando e enviando mensagens através de um tronco de maneira. Escarificava-se o tronco de um lado e ouvia-se do outro. Laennec construiu o seu estetoscópio de maneira, um cilindro, denominado "le baton". Era como "se os pulmões estivessem conversando", mas através de uma linguagem totalmente estranha. Foi preciso inventar nomes para os diferentes ruídos. Assim nasceu o som vesicular e os ruídos estranhos à respiração normal, denominados por Laennec de "râle" (estertores). O termo "râle" rapidamente se difundiu até mesmo entre os doentes que passaram a temê-lo, chamando-o de "estertores da morte". Laennec, no prefácio da segunda edição de seu livro, sugere evitar o termo "râle" na frente do paciente e substituí-lo por "rhoncus", a tradução "râle" para o latim. Uma estratégia semelhante ao que é feito hoje em dia quando se evita a palavra "câncer". Entretanto, nas traduções do trabalho de Laennec para o inglês, estertores e roncos passaram a ter diferentes significados clínicos. Mais tarde, foram criados novos termos, como os sibilos, e inúmeros outros adjetivos para os estertores como finos, grossos, secos ou úmidos, bolhosos, cavernosos, consonantais, crepitantes, subcrepitantes. Uma confusão de termos.

Os novos conhecimentos da fisiopatologia pulmonar vieram colocar em dúvida as clássicas teorias sobre a gênese dos sons pulmonares. Todo o exame clínico, inclusive a ausculta, passou a ser realizado mais como um ritual de rotina. Na verdade o médico passou a creditar sua confiança aos exames complementares, especialmente na radiologia, para a formulação do diagnóstico das doenças pulmonares. Os recentes progressos tecnológicos, como a sonografia digital, permitiram analisar melhor a origem e a composição desses sons e ai formular hipóteses mais consistentes com a fisiopatologia pulmonar. Existe hoje todo um esforço para se padronizar a terminologia dos sons pulmonares em todo mundo.


2. Foco de Ausculta

Para iniciar-se a ausculta, o examinador coloca-se atrás do paciente, que não deve forçar a cabeça ou dobrar excessivamente o tronco. O paciente deve estar com o tórax despido e respirar pausada e profundamente, com a boca entreaberta, sem fazer ruído.

Somente depois de longa prática, ouvindo-se as variações do murmúrio respiratório normal, é que se pode, com segurança, identificar os ruídos anormais.

A ausculta dos pulmões se faz com o auxílio do estetoscópio. A auscultação direta ou imediata, ou seja, colocando-se o ouvido na parede torácica, não se faz mais, embora por intermédio dela seja possível perceber também as vibrações da parede.

As principais fontes sonoras do tórax são o coração e os pulmões. Entretanto, a traquéia, os brônquios, a pleura, o pericárdio, os grossos vasos e o esôfago podem gerar sons importantes. Os sons alcançam a superfície do tórax depois de percorrer muitos caminhos com coeficientes de atenuação diferentes. Chama-se de foco de ausculta de um som a região da pele onde ele é ouvido com maior intensidade. Isso significa que entre essa região e fonte sonora existe um trajeto acústico com atenuação mínima.

A ausculta pulmonar é feita nas regiões anterior, posterior e laterais do tórax. Sobre as escápulas, os sons do pulmão podem estar atenuados devido à reflexão que ocorre ao passar a onda sonora do meio líquido para o meio ósseo. Assim, quando são auscultadas as regiões posteriores do tórax, os ruídos pulmonares são ouvidos mais intensamente abaixo das escápulas e nas regiões paravertebrais. Também devem ser auscultadas as fossas supra e subclaviculares, regiões onde melhor se ouvem os sons dos ápices pulmonares.


3. Os sons da respiração

Os sons da respiração são produzidos através da vibração de corpos em um meio elástico. Para que os sons sejam transmitidos é preciso que o meio seja elástico. No vácuo, um meio não elástico, não há som. A respiração produz turbulência aérea e vibração das estruturas pulmonares e daí existirem os sons da respiração. Ainda não existe uma unidade de conceitos sobre a origem desses sons.

Os sons produzidos na respiração são:

  • som bronquial
  • som vesicular
  • som broncovesicular


3.1. Características físicas dos sons pulmonares

SOM BRONQUIAL

O trajeto do som bronquial na traquéia é rápido e turbulento por causa da área de secção transversal pequena, de 5 cm2 , e por ser um tubo único, todo o ar que entra na inspiração deverá retornar na expiração.A vibrações provocadas pelo fluxo aéreo turbulento ao nível da traquéia irá ocorrer tanto na inspiração quanto na expiração. Os sons produzidos têm uma faixa de freqüência muito ampla, indo desde <100>3000Hz, mas apresenta uma redução acentuada de energia após 800Hz.O som bronquial muito se assemelha ao som traqueal, dela se diferenciando apenas por ter o componente expiratório menos intenso.O som bronquial é caracterizado por uma inspiração rude, bem audível, a seguir uma pausa, e depois uma expiração também bem audível e rude, de duração igual á da inspiração. Pela curta distância entre a origem e o foco de ausculta no pescoço, trata-se de um som puro, sem interferência do parênquima.

SOM BRONQUIAL NO TÓRAX

A consolidação dos espaços aéreos significa uma substituição do ar por transudato, exsudato ou células. Os espaços aéreos passam a ser preenchidos por um tipo de líquido de modo que o seu conteúdo deixa de ser gasoso. Dependendo do tipo de preenchimento, o parênquima pulmonar assume uma estrutura de densidade sólida, hepatizada, como o que nas pneumonias alveolares, especialmente nas pneumocócicas. O parênquima torna-se sólido e os sons respiratórios passam a ser mais bem transmitidos. O som se transmite melhor nos sólidos do que no ar. Com o parênquima consolidado perde-se a capacidade de filtro acústico seletivo e não mais ocorre a absorção das notas de alta freqüência. Os sons respiratórios ao serem produzidos nas vias aéreas são mais bem transmitidos pelo parênquima consolidado e não sofrem interferência, permanecendo um som puro. É como se estivesse auscultando a região cervical onde não existe parênquima algum. As vias aéreas, onde os sons são produzidos, devem estar livres e os espaços aéreos consolidados para que haja o som bronquial.

O som bronquial também pode acontecer quando o parênquima é destruído por uma cativação. Novamente perde-se a capacidade de filtro acústico seletivo. Não há motivos para se chamar esse som bronquial deslocado para o tórax de "sopro tubário" se for uma consolidação, e de "sopro cavernoso", se for uma cavidade. Em ambos os casos o som será denominado bronquial. Na prática, quando permanece alguma dúvida quanto a presença de som bronquial no tórax recomenda-se comparar o som com a ausculta da traquéia no pescoço observando-se a intensidade e a duração da inspiração e expiração que caracterizam o som bronquial.

SOM VESICULAR

O som vesicular é formado principalmente de notas de freqüência baixa, devido ao filtro acústico seletivo do parênquima.É caracterizado por uma inspiração de intensidade de duração maior, bem audível, suave, e, logo a seguir, uma expiração curta e pouco audível. Seus ruídos respiratórios ouvidos na maior parte do tórax são produzidos pela turbulência do ar circulante ao chocar-se contra saliências das bifurcações brônquicas, ao passar por cavidades de tamanho diferentes, tais como dos bronquíolos para os alvéolos, e vice-versa.

Quando se compara o murmúrio vesicular com a respiração brônquica, verifica-se que o murmúrio vesicular é mais fraco e mais suave.Os sons são apenas transmitidos até atingir os espaços aéreos do parênquima. Os espaços aéreos que constituem o parênquima pulmonar têm uma área de superfície enorme, de 90m2. Em vez de fluxo aéreo, existe a difusão dos gases. Portanto, não há ruído ao nível de pequenas vias aéreas e parênquima.Por outro lado, o parênquima atua como filtro seletivo dos sons respiratórios.As notas de alta freqüência são absorvidas pelo parênquima. Embora a faixa de freqüência ainda seja ampla, com notas de <100> 1000Hz, a maior energia encontra-se abaixo de 100Hz, e há uma queda acentuada acima de 200Hz. Praticamente em todo o tórax a predominância é de parênquima sobre as vias aéreas e, portanto, a interferência é grande e o som vesicular é predominante.

A diminuição do som vesicular pode resultar de numerosas causas, entre as quais ressaltam-se: presença de ar (pneumotórax), líquido (hidrotórax) ou tecido sólido (espessamento pleural) na cavidade pleural; enfisema pulmonar, dor torácica de qualquer etiologia que impeça ou diminua a movimentação do tórax, obstrução das vias aéreas superiores (espasmo ou edema da glote, obstrução da traquéia), oclusão parcial ou total de brônquios ou bronquíolos

SOM BRONCOVESICULAR

Neste tipo de respiração, somam-se as características brônquicas com do murmúrio vesicular. Deste modo, a intensidade e a duração da inspiração e da expiração têm igual magnitude, ambas um pouco mais fortes que no murmúrio vesicular, mas sem atingir a intensidade da respiração brônquica.

A densidade do parênquima pulmonar é menor, e a interferência sobre a transmissão dos sons deverá ser menor que no som vesicular. Existe uma maior contaminação de notas de alta freqüência.Também a maior proximidade com a traquéia e grossos brônquios faz com que a expiração seja melhor audível trata-se, portanto, de um som intermediário entre o bronquial e o vesicular.A interferência parcial do parênquima faz com que o som broncovesicular não seja tão rude e intenso quanto o bronquial.


3.2. Origens dos sons da respiração

SOM BRONQUIAL

O som bronquial corresponde ao som traqueal audível na zona de projeção de brônquios de maior calibre, na face anterior do tórax, nas proximidades do esterno.Nas aéreas que correspondem á condensação pulmonar, atelectasia ou nas regiões próximas de cavernas superficiais ouve-se respiração brônquica no lugar do murmúrio vesicular.

O som bronquial pode ser auscultado com o estetoscópio colocado sobre o pescoço. Os principais componentes se originam na faringe, laringe e traquéia.O fluxo aéreo nestas estruturas é rápido e turbulento. O principal componente é traqueal porque os componentes originários da boca e laringe são perdidos durante a sua transmissão.

SOM VESICULAR

Ao sair da traquéia o fluxo aéreo alcança um outro compartimento, as grandes vias aéreas, de área de secção transversal de 13cm2. Existe progressiva desaceleração á medida que o fluxo aéreo vai se distanciando da traquéia em direção aos alvéolos até a 10a geração brônquica. O fluxo aéreo deixa de ser turbulento e passa a ser transicional.Trata-se de uma zona de transição em que o fluxo não é nem turbulento nem laminar. As vibrações provocadas pelo fluxo aéreo e pela fricção da corrente aérea nas paredes brônquicas são capazes de originar som ao nível das grandes vias aéreas. Essas vibrações são mais intensas ao nível dos pontos de ramificação brônquica quando o fluxo aéreo se bifurca em duas direções devidas ao sistema de dicotomização. Durante a inspiração, o fluxo aéreo atinge os pontos de ramificação em ângulo agudo, provocando maior número de vibrações. Mesmo com a desaceleração progressiva do fluxo aéreo, essas vibrações ainda permanecem ocorrendo em nível mais periférico. Por outro lado, quando o ar volta na expiração, os pontos de choque com as paredes brônquicas são menores. As vibrações só voltam a ocorrer quando o fluxo aéreo já estiver próximo da traquéia, devido à aérea seccional pequena. Portanto, pode-se dizer que a inspiração é formada por um componente mais periférica, regional, enquanto que a expiração é principalmente central, ao nível da traquéia.

Por sua origem ser mais periférica e regional, a inspiração é mais audível que a expiração, que tem origem mais central, longe do foco de ausculta.

Ausculta-se o murmúrio vesicular em quase todo o tórax, com exceção apenas das regiões esternal superior, interescápulo-verterbral direita e ao nível da 3a e 4a vértebras dorsais. Nestas áreas, ouve-se a respiração broncovesicular

Cumpre salientar que o murmúrio vesicular não tem intensidade homogênea em todo o tórax, é mais forte na parte antero-superior, nas axilas e nas infra-escapulares.

SOM BRONCOVESICULAR

Nas crianças, devido ao menor tamanho do tórax, a respiração broncovesicular é audível em regiões mais periféricas. Em condições normais, a respiração broncovesicular é auscultada na região esternal superior, na interscápulo-verterbral direita a ao nível da 3a e 4a vértebras dorsais. Sua presença em outras regiões indica condensação pulmonar, atelectasia por compressão ou presença de caverna, isto é, nas mesmas condições em que se observa a respiração brônquica.Para que surja este tipo de respiração, é necessário que haja na área lesada alvéolos mais ou menos normais capazes de originar ruídos do tipo vesicular.


3.3. Outros tipos de sons pleuropulmonares


  • MurmúrioVesicular

Os ruídos respiratórios ouvidos na maior parte do tórax são produzidos pelo turbilhão aéreo que se forma durante o enchimento e o esvaziamento do alvéolos pulmonares.

No murmúrio vesicular, bem como nos outros sons pulmonares, reconhecem-se dois componentes: o inspiratório e o expiratório. O componente inspiratório é mais intenso, mais duradouro e de totalidade mais alta em relação aos componentes expiratório, que, por sua vez, é mais fraco, de duração mais certa e de totalidade mais baixa.

No murmúrio vesicular é auscultado em quase todo o tórax com exceção das regiões esternal superior, interescápulo-vertebral direita e ao nível da 3ª e 4ª vértebras dorsais. Devemos ressaltar que esse som respiratório não tem intensidade homogênea em todo tórax.

Respiração vesicular mais intensa ocorre quando o paciente respira amplamente e com a boca aberta, após esforço, em crianças e em pessoas emagrecidas. Já a diminuição dessa respiração pode ser resultado de numerosas causas, entre as quais ressaltam-se: presença de ar (pneumotórax), líquido (hidrotorax) ou tecido sólido (espessamento pleural) na cavidade pleural; enfisema pulmonar, dor torácica de qualquer etiologia que impeça ou diminua a movimentação do tórax, obstrução das vias aéreas superiores, oclusão parcial ou total de brônquios ou bronquíolos.

O prolongamento da fase expiratória, que é mais curta e mais suave que a fase inspiratória, constitui uma importante alteração do murmúrio vesicular. Este prolongamento aparece na asma brônquica, no enfisema e na bronquite espastiforme e traduz de modo objetivo a dificuldade de saída de ar.


  • Sons Respiratórios Reduzidos

Os sons respiratórios podem estar diminuídos ou até mesmo praticamente abolidos em três situações:

I – Os sons respiratórios ficarão diminuídos ou abolidos no caso de ocorrer uma redução ou interrupção da ventilação para determinada área. Isto é que ocorre nos casos de obstrução brônquica e atelectasia obstrutiva.

II – Os sons perdem energia ao atravessarem meios diferentes, como acontece nos derrames pleurais, pneumotórax e grandes espessamentos de pleura. A presença de ar ou líquido na cavidade pleural funciona como verdadeira barreira acústica ao se interpor entre a origem dos sons respiratórios nas vias aéreas e o foco de ausculta na parede toráxica.

III - Os casos de DPOC, especialmente quando existe enfisema com grave obstrução do fluxo aéreo, também provoca uma diminuição dos sons respiratórios. Essa diminuição indica uma obstrução já em grau bastante acentuado.


3.4. Sons e Ruídos Anormais

  • Sons na asma e no enfisema pulmonar

Apresentam um tempo respiratório curto, então os fenômenos acústicos tendem a ser mais acentuados.

O volume de ar a ser expirado deve ser igual ao inspirado e o fluxo de ar nas vias aéreas atinge velocidades maiores durante a expiração.

Tanto na asma quanto na bronquite, o aumento da energia cinética está associado a um maior esforço dos músculos expiratórios e os gradientes de pressão, que se estabelecem entre as extremidades alveolares e vias aéreas superiores.

Na asma brônquica, há uma redução da luz brônquica, e esta é produzida pr contração da musculatura lisa dos pequenos brônquios e dos bronquíolos .

Já no enfisema , acontece a destruição da camada muscular dos bronquíolos, o que facilita a deformação dos mesmos.

Em ambas patologias, a asma brônquica e no enfisema pulmonar, a expulsão de ar dos alvéolos para os bronquíolos é dificultada, assim como os alvéolos ficam submetidos a uma alta pressão interna e acabam por se dilatar, o que reflete nas dimensões do tórax, que aumenta de volume.

  • Efeito Venturi

Tanto na asma brônquica como no enfisema pulmonar, a impedância dos bronquíolos está muito aumentada, mas na asma , isso se deve a redução ativa do diâmetro dessas estruturas.

No enfisema pulmonar, ocorre uma tendência ao fechamento dos bronquíolos em virtude do efeito Venturi, que pode ser explicado com base na clássica equação de Bernoulli desenvolvida para o escoamento de fluidos:

1/2 ?V2 + p = k

onde:

? – é a densidade do fluido

v – é a velocidade de escoamento

p – é a pressão no ponto do tubo correspondente a velocidade v

k – é uma constante

Analisando a equação é possível concluir que o aumento da velocidade de fluxo (v) implica uma redução da pressão interna (p), a fim de manter constante a soma das parcelas.

Venturi, baseando-se no princípio de Bernoulli, construiu um medidor de velocidade de escoamento de fluidos, que ficou conhecido como Venturi, e mede a diferença de nível (h) que se forma nos ramos de um manômetro em forma de U quando as extremidades abertas do tubo do manômetro estão submetidas a fluxos de ar dotados de velocidades diferentes.

Venturi observou que a pressão exercida por um fluido em movimento sobre as paredes do tubo diminui á medida que a velocidade do fluxo aumenta,m podendo tornar-se negativa com relação a pressão externa. Assim, no enfisematoso, os pequenos brônquios tendem ao colapso durante a expiração forçada, porque a velocidade de fluxo do ar está aumentada e a pressão que o fluido exerce sobre as paredes é pequena.

A resistência ao fluxo aéreo aumentado na asma brônquica pode ser analisada pela equação de Reynolds:

N = vdµ / ?

A dificuldade respiratória do asmático e a riqueza de sons que sua respiração produz indicam que o escoamento de ar é turbulento.

Para que o valor de N seja aumentado, como de fato é na asma brônquica, é necessário que o aumento da velocidade (v) do fluxo aéreo supere a diminuição do diâmetro dos tubos respiratórios.

Classificação dos ruídos anormais

Os sons anormais do aparelho respiratório aparecem associados aos ruídos normais, mas, por vezes, podem substituí-los numa determinada região do pulmão. Eles podem ser estertores, roncos, sibilos, sopros, ou de origem pleural. São assim classificados:


Estertores

Estes sons superpõem-se aos sons respiratórios normais e são ruídos descontínuos. Podem ser crepitantes (finos) ou bolhosos (grossos).

Os sons crepitantes podem são explosivos, agudos e de curta duração, ocorrendo no final da inspiração. São gerados principalmente pela abertura dos alvéolos que se acham colapsados ou ocluídos por líquido viscoso. Podem ser comparados ao som percebido ao se abrir um fecho tipo velcro. São ouvidos principalmente nas zonas pulmonares influenciadas pela força da gravidade. Não se modificam com a tosse. Esses estertores indicam a existência de doença alveolar inflamatória ou congestiva, com exsudação ou transudação de líquidos para o interior das cavidades alveolares.

Os sons bolhosos são menos agudos e duram mais do que os crepitantes. Sofrem nítida alteração com a tosse e podem ser ouvidos em todas as regiões do tórax. São audíveis no início da inspiração e durante toda a expiração. Têm origem na abertura e fechamento de vias aéreas contendo secreção viscosa e espessa, bem como pelo afrouxamento da estrutura de suporte das paredes brônquicas, sendo comuns na bronquite crônica e nas bronquiectasias.


Roncos

São ruídos longos, graves e musicais, gerados pelo turbilhão aéreo que se forma com a movimentação de muco e de líquido dentro da luz das vias aéreas (geralmente brônquios de grosso calibre). Indicam asma brônquica, bronquites, bronciectasias e obstruções localizadas. Aparecem na inspiração e, com maior freqüência, na expiração. São fugazes, mutáveis, surgindo e desaparecendo em curtos períodos de tempo.


Sibilos

São sons contínuos, musicais e de longa duração. Como as crepitações, os sibilos também têm sua origem nas vias aéreas e requerem o fechamento prévio dos brônquios. As paredes brônquicas devem ser trazidas aos pontos de oclusão para que ocorra os sibilos. Por outro lado, em vez de acontecer uma reabertura súbita, as paredes brônquicas passam a vibrar ao serem atingidas por fluxo aéreo em alta velocidade. Trata-se portanto de um verdadeiro "flutter" das paredes brônquicas impulsionadas por um jato de ar sob uma velocidade crítica.

Os sibilos acompanham as doenças que levam à obstrução de fluxo aéreo, como a asma e DPOC, mas podem acontecer em inúmeras outras doenças que acometem as vias aéreas. Em geral são múltiplos e disseminados por todo o tórax, quando provocados por enfermidades que comprometem a árvore brônquica toda como acontece na asma e na bronquite.

Quando os sibilos são localizados numa determinada região, indicam a presença de uma semi-obstrução por neoplasia ou corpo estranho.

O estridor pode ser considerado como um tipo especial de sibilo, com maior intensidade na inspiração, audível à distância, e que acontece nas obstruções altas da laringe ou da traquéia, fato que pode ser provocado por difteria, laringites agudas, câncer da laringe e estenose da traquéia.


Sopros ao nível torácico

Existem quatro tipos de sopro a nível pulmonar: o sopro tubário, sopro cavernoso, sopro anfórico e sopro pleurítico.

Várias doenças do parênquima pulmonar levam à proliferação de tecido fibroso em substituição aos tecidos normais do pulmão. Assim acontece nas inflamações graves desse órgão. Em geral, os sólidos transportam ondas sonoras com menor atenuação e maior velocidade do que os corpos fluidos. Isso se deve a uma menor impedância oferecida à propagação das ondas sonoras. Por isso, o endurecimento do pulmão produzido pela fibrose

permite o aparecimento de vias de baixa resistência à propagação e, como conseqüência, os sons bronquiais (sopro tubário) podem chegar à superfície pulmonar, tornando-se audíveis sobre a parede torácica.

Em alguns quadros patológicos (tuberculose, estreptococcias, etc.) podem aparecer cavernas no parênquima pulmonar. Elas se formam por liquefação desse tecido produzida por enzimas proteolíticas que são liberadas pelo agente bacteriano responsável pelo processo infeccioso. Para que se complete a formação da caverna é necessário que o tecido pulmonar destruído seja drenado por um brônquio e, então, expelido após um esforço de tosse (vômica). Se a caverna pulmonar mantém-se ligada ao meio exterior por meio de um brônquio permeável e de grosso calibre, então, o sopro tubário não terá dificuldade para alcançá-la. Daí, ele pode chegar à parede torácica, pois o processo de endurecimento pulmonar (fibrose cicatricial e calcificação), que normalmente se instala em torno da caverna, permite a sua condução até a pele com pouca atenuação. O sopro tubário, que resulta desses eventos, é mais evidente durante a inspiração.

A presença de uma caverna com diâmetro de 4 a 6 cm altera o timbre do sopro brônquico. Este assume tonalidade musical em virtude do reforço das baixas freqüências e da adição de harmônicos que são gerados no interior da caverna (sopro cavernoso).

A caverna pulmonar funciona como um ressoador de baixa freqüência. Se ela possui diâmetro maior que 6 cm, então o reforço dos tons graves, a adição de harmônicos e a reverberação no seu interior conferem ao sopro um caráter melodioso (sopro anfórico). Esse sopro também pode ser ouvido nos casos de pneumotórax com perfuração pulmonar, desde que seja mantida a continuidade brônquica. Nesse caso, a cavidade pleural funciona como ressoador. Para a produção de sopro musical nem sempre é necessário haver a comunicação direta entre o brônquio e a caverna. Para isso basta haver uma relação de proximidade e que as estruturas que as separam tenham baixa impedância.

Os sons pulmonares normais deixam de ser ouvidos quando deixam de ser gerados ou quando são drasticamente atenuados ao se propagara até a pele. O primeiro caso ocorre nas obstruções brônquicas totais produzidas por corpo estranho, tumores, etc. O ar, não conseguindo ultrapassar o bloqueio, não chega aos alvéolos e, por isso, não são produzidos os sons vesiculares. O ar residual, situado na porção a jusante do bloqueio (isto é, entre o bloqueio e o alvéolo), vai sendo progressivamente absorvido e a área do pulmão que fica

sem ventilação acaba por entrar em colapso. Com isso, a parte do pulmão afetada passa a não contribuir para as trocas gasosas. Se a obstrução ocorrer num brônquio-fonte então um lobo pulmonar ou mesmo todo o pulmão ficará excluído do processo respiratório. Nestes casos, cabe ao pulmão sadio compensar a função respiratória do pulmão excluído. Por isso, observa-se, no lado não comprometido com a doença, um reforço dos ruídos respiratórios (reforço acústico contralateral) que se deve ao aumento da ventilação pulmonar que visa compensar a função do pulmão doente.

Em outras situações, os sons pulmonares não chegam à superfície do tórax porque em torno da fonte sonora só existem caminhos de alta impedância acústica. Isso acontece nos casos de hemotórax (sangue na cavidade pleural), empiema pleural (secreção purulenta na cavidade pleural, derrame pleural (coleção líquida contida no espaço pleural) e de pneumotórax. Nessas situações, a principal causa da atenuação dos sons pulmonares se deve à reflexão dos sons na interface líquida ou aérea.

Quando há derrame pleural importante, mas não muito volumoso, colocando-se o paciente com o tórax situado ortogonalmente em relação ao solo, o líquido tende a promover uma compressão da base do pulmão. Nesses casos, pode ser auscultado um sopro conhecido como sopro pleurítico. Esse ruído se produz devido ao funilamento dos brônquios que se acham comprimidos pela pressão hidrostática exercida pelo derrame líquido. Em virtude dessa compressão, os brônquios assumem uma forma em "bico de clarineta" e, por isso, passam a produzir um sopro quando o ar se movimenta através deles.


Atrito pleural

Em condições normais, os folhetos visceral e parietal da pleura deslizam um sobre o outro, durante os movimentos respiratórios, sem produzir qualquer ruído. Nos casos de pleurite, por se descobrirem de exsudato, passam a produzir um ruído irregular, descontínuo mas intenso na inspiração, comparado ao ranger de couro atritado. Representa um som de duração maior e tonalidade grave, sendo de fácil distinção dos estertores. Devido à sua proximidade com a pele, o atrito pleural pode ser percebido pelo tato, fenômeno ao qual se denomina de frêmito pleural.

A sede mais comum do atrito pleural são as regiões axilares inferiores, onde os pulmões realizam movimentação mais ampla. O aumento da pressão do receptor do estetoscópio sobre a parede torácica pode torná-lo mais intenso.

Sua causa principal é a pleurite seca. A instalação de derrame pleural determina seu desaparecimento.


4. Síndromes


4.1. Síndromes brônquicas

Decorrem de:

  • Obstrução (asma brônquica);
  • Infecção e/ou dilatação dos brônquios (bronquites e bronquiectasias).

Asma Brônquica

Estreitamento difuso dos condutos aéreos de pequeno calibre, em conseqüência de edema da mucosa, constrição da musculatura lisa (broncoespasmo) e hipersecreção das células brônquicas.

Manifesta-se clinicamente por crises de dispnéia predominantemente expiratória, aperto no tórax e dor torácica difusa, chieira e tosse, no início seca , e com o progredir da crise torna-se produtiva, surgindo então uma expectoração mucóide, espessa, aderente, difícil de ser eliminada.

Ao exame físico do tórax , evidenciam-se :

Inspeção: Dispnéia, tórax em posição de inspiração profunda e tiragem.

Palpação: Frêmito toracovocal normal ou diminuído.

Percussão: Normal ou hipersonoridade.

Ausculta: Diminuição do murmúrio vesicular com expiração prolongada, sibilos predominantemente expiratório em ambos os campos pulmonares.

Bronquites. A bronquite aguda geralmente é causada por vírus que compromete as vias aéreas desde a faringe, manifestando-se por sintomas gerais (febre, cefaléia), desconforto retroesternal, rouquidão, tosse seca, seguida após alguns dias de expectoração mucosa que se transforma em mucopurulenta, se houver infecção bacteriana secundária.

À inspeção, palpação e percussão, nada anormal se observa. À ausculta, os principais achados são estertores grossos em ambos os pulmões. Pode-se ouvir, também, ronco e sibilos esparsos, inconstantes.

A bronquite crônica é uma condição caracterizada basicamente por excessiva secreção do muco na árvore brônquica.

A manifestação clínica principal é tosse com expectoração mucopurulenta que persiste por meses, alternando períodos de melhora e piora, dependendo da presença de infecções, poluição atmosférica e uso de tabaco.

Ao exame físico do tórax, os principais achados são os estertores grossos disseminados em ambos os hemitórax. Roncos e sibilos são freqüentes.

Bronquiectasias

Dilatação dos brônquios em conseqüência de destruição de componentes da parede destes ductos.

Comprometem segmentos ou lobos pulmonares, ou, mai9s raramente, vários lobos em ambos os pulmões.

Além dos sintomas gerais, febre, suores noturnos, emagrecimento, astenia, hipocratismo digital, e a mais comum: tosse produtiva com expectoração mucopurulenta abundante, principalmente pela manhã. Hemoptises são freqüentes.

Os dados obtidos ao exame do tórax são variáveis, dependendo da localização e da extensão das áreas comprometidas. Nas bronquiectasias basais externas, observam-se redução da expansibilidade e submacicez nas bases.

À ausculta encontram-se, na área correspondente às bronquiectasias, estertores grossos. Roncos e sibilos podem ser percebidos na mesma área..

Síndromes Brônquicas

Palpação (frêmito toracovocal)

Percussão

Ausculta

Inspeção

Causas

Obstrução

FTV normal ou diminuído

Hiperso-noridade

Murmúrio vesicular diminuído c/ expiração prolongada, sibilos

Tiragem inspiratória

Asma brônquica

Infecção

FTV normal ou diminuído

Normal ou diminuído

Estertores grossos disseminados

Expansibilidade normal ou diminuída

Bronquite aguda e crônica

Dilatação

FTV normal ou aumentado

Normal ou submacicez

Estertores grossos localizados

Expansibilidade normal ou diminuída

Bronquiectasias


4.2 Síndromes pleuropulmonares

As síndromes pleropulmonares compreendem as síndromes pulmonares e as síndromes pleurais.

Síndromes pulmonares

As síndromes pulmonares são basicamente: consolidação, atelectasia e hiperaeração.

As principais causas de consolidação pulmonar são as pneumonias, o infarto pulmonar e a tuberculose.

As principais manifestações clínicas são a dispnéia e a tosse, que pode ser seca ou produtiva. Quando há expectoração, é comum a presença de sangue misturado com muco ou pus (expectoração hemoptóica).

A condensação do parênquima pulmonar caracteriza-se pela ocupação dos espaços alveolares por células e exsudato e se expressa na ausculta como, respiração brônquica substituindo o murmúrio vesicular, broncofobia ou egofobia, pectorilóquia e estertores finos.

A atelectasia tem como elemento principal o desaparecimento de ar dos alvéolos sem que o espaço alveolar seja ocupado por células ou exsudato.

As causas mais comum são as neoplasias e a presença de corpos estranhos que ocluem a luz de brônquios. Se a oclusão situar-se em um brônquio principal, ocorre atelectasia do pulmão inteiro; se estiver em brônquios lobares ou segmentar, a atelectasia fica restrita a um lobo ou um segmento pulmonar.

Quanto maior a área comprometida, mais intensas serão as manifestações clínicas, representadas por dispnéia, sensação de desconforto e tosse seca.

Na ausculta obtêm-se os seguintes dados: respiração broncovesicular. Ressonância vocal diminuída.

A síndrome de hiperaeração é representada pelo enfisema pulmonar, que resulta de alterações anatômicas caracterizadas pelo aumento anormal dos espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal, acompanhadas de modificações estruturais das paredes alveolares.

A manifestação clínica mais importante é a dispnéia, que se agrava lentamente. No início ocorre apenas aos grandes esforços, mas nas fases avançadas aparece até em repouso. Na fase final surgem as manifestações de insuficiência respiratória.

Na ausculta apresenta murmúrio vesicular diminuído, fase expiratória prolongada e ressonância vocal diminuída.

As principais causas da congestão passiva dos pulmões são a insuficiência ventricular esquerda e estenose mitral.

O líquido se acumula no interstício, causando dispnéia de esforço, dispnéia de decúbito e dispnéia paraxística noturna, além de tosse seca e, às vezes, chieira.

Na ausculta, estertores finos nas bases dos pulmões (principal achado). Prolongamento do componente expiratório quando há broncoespasmo. Ressonância vocal normal.

As cavernas pulmonares são conseqüência de eliminação de parênquima em uma área que sofreu necrobiose. Isto pode ocorrer nos abscessos, neoplasias, micoses, mas a causa principal ainda é a tuberculose.

As manifestações clínicas são muito variáveis, predominando tosse seca e vômica.

Os dados obtidos na ausculta são: respiração broncovesicular ou brônquica no lugar do murmúrio vesicular, ressonância vocal aumentada ou pectorilóquia.

Síndromes Pleurais

As síndromes pleurais compreendem as pleurites, os derrames pleurais e o pneumotórax.

A pleurite, ou seja, a inflamação dos folhetos pleurais, pode ocorrer em várias entidades clínicas, destacando-se a tuberculose, as pneumonias, a moléstia reumática e outras colagenoses, viroses e as neoplasias da pleura e pulmão.

Pode ser aguda ou crônica, sem derrame (pleurite seca) ou com derrame.

A ausculta da pleurite seca aguda é caracterizada por atrito pleural, que é o principal dado semiológico.

Já a ausculta da pleurite crônica apresenta murmúrio vesicular diminuído. Ressonância vocal diminuída.

Nos derrames pleurais, observados nas pleurites, pneumonias, neoplasias, colagenoses, síndrome nefrótica e na insuficiência cardíaca, pode haver dor sem as características de dor pleurítica, tosse seca e dispnéia cuja intensidade depende do volume do líquido acumulado.

Na ausculta observa-se murmúrio vesicular abolido na área do derrame, egofagia e estertores finos na área do pulmão em contato com o líquido pleural na parte mais alta do derrame.

No pneumotórax, o que se acumula no espaço pleural é ar, que penetra através de lesão traumática, ruptura de bolha subpleural, ou em certa afecções pulmonares (tuberculose, pneumoconiose, neoplasias) que põem em comunicação um ducto com espaço pleural.

A ausculta apresenta murmúrio vesicular diminuído. Ressonância vocal diminuída.


5. Ausculta da voz

Os sons vocálicos, quando são auscultados ao nível do tórax, apresentam-se confusos em virtude da reverberação intratorácica (o parênquima pulmonar normal absorve muitos componentes sonoros). Isso significa que, nesse caso, a relação sinal/ruído é pequena. Nas doenças que produzem endurecimento do pulmão os sons bronquiais podem alcançar a superfície do órgão conservando grande parte da intensidade e permitindo que a relação sinal/ruído aumente. Isso faz com que, nessas doenças (pneumonia, enfarto pulmonar), os sons vocálicos, ouvidos através do pulmão se tornem mais nítidos. A essa alteração de qualidade do som chama-se de broncofonia ou ressonância vocal.

No exame, o paciente vai pronunciando as palavras "trinta e três" enquanto o examinador percorre o tórax com o receptor do estetoscópio, comparando as regiões homólogas, tal como no exame do frêmito toracovocal, usando a mão.

A ressonância vocal é mais intensa no ápice do pulmão direito, nas regiões interescápulo-vertebral direita e esternal superior. Ademais, a ressonância vocal, costuma ser mais forte em homens do que em mulheres e crianças, em decorrência do timbre de voz.

A egofonia é uma forma especial de ressonância vocal que possui qualidade nasalada e metálica, comparada ao balido de cabra. Aparece na parte superior dos derrames pleurais. Pode ser observada também, na condensação pulmonar.